RESUMO
Este trabalho tem como objetivo lançar uma reflexão sobre a percepção dos alunos de ensino médio quanto à grade curricular a qual estão submetidos. A educação no Brasil passou por vários vieses que moldaram sua forma atual, desde a influência dos Jesuítas até o surgimento das escolas particulares financiadas por famílias ricas. Hoje em dia, há uma percepção latente da relação aluno-professor como simples transmissão de conteúdos e favorecimento de métricas em detrimento do aprendizado. Para este trabalho foram entrevistados alunos de ensino médio da rede pública, que apresentaram uma visão crítica sobre o sistema de ensino e do material didático. Constatou-se que a problemática do ensino brasileiro está além de apenas falta de interesse dos alunos.
Palavras-chave: alunos, educação, grade curricular.
A PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO ACERCA DA GRADE CURRICULAR
Autores:
Eliana Costa de Almeida
Leandro Augusto de Souza Correia
Priscila Santana dos Santos
Susana Mesquita de Oliveira
Orientador: Dr. Denio Waldo Cunha
Examinadores da Banca: Dr. Denio Waldo Cunha
Dr. João Eduardo Coin de Carvalho
Dra. Simone Della Barba
Introdução e Justificativa
Quando falamos em educação no Brasil, é fundamental considerar que o quadro que hoje vislumbramos decorre de uma problemática secular. É importante observar os rumos e as diretrizes tomadas pelo processo educacional a partir das características político ideológicas do momento em questão, a fim de entender melhor o caminho que lhe foi estabelecido.
As duas últimas décadas foram caracterizadas por um fervoroso discurso acerca da importância do setor educacional para a sociedade e sobre as diretrizes que deveriam ser tomadas para alcançar uma educação eficiente e democratizada, conforme será exposto a seguir.
Durante os tempos de Ditadura Militar (1964-1985), o Brasil presenciou um expressivo avanço da tecnocracia baseada no conhecimento científico de cunho positivista em todos os setores. Na educação, naturalmente, não foi diferente. Os rumos educacionais vêm trilhando esse caminho desde a Era Vargas (1930-1945), quando se estabelece a Reforma Capanema (1942), retirando-se a Sociologia da condição de disciplina obrigatória no ensino secundário, até que, finalmente, com o golpe de 1964, ela é definitivamente excluída dos currículos deste nível de ensino. A Reforma Capanema revelou a construção de uma diretriz no campo educacional baseada na ideologia vigente no período em questão;
“Segundo os autores de Tempos de Capanema, o sistema educacional proposto pelo ministro correspondia à divisão econômico-social do trabalho. Assim, a educação deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades de acordo com os diversos papéis atribuídos às diversas classes ou categorias sociais. Teríamos a educação superior, a educação secundária, a educação primária, a educação profissional e a educação feminina; uma educação destinada à elite da elite, outra educação para a elite urbana, uma outra para os jovens que comporiam o grande “exército de trabalhadores necessários à utilização da riqueza potencial da nação” e outra ainda para as mulheres. A educação deveria estar, antes de tudo, a serviço da nação, “realidade moral, política e econômica” a ser constituída.” (MENEZES, SANTOS, 2002, p. 1)
Em última análise, é importante perceber os mecanismos ideológicos implícitos na construção do processo educacional. Observando a evolução histórica do processo educacional no Brasil é possível verificar a estreita relação que sempre existe entre o contexto político-econômico do momento e as diretrizes e discursos em cima da importância da educação, sendo estes freqüentemente bastante distintos entre si.
Segundo esta perspectiva, configura-se a construção de um sistema educacional sedimentado, onde aparentemente os papeis do cidadão já vêm estabelecidos a partir da qualidade da educação que lhe cabe. Vislumbrando esta situação, a presente pesquisa busca uma aproximação compreensiva entre a forma com que o processo educacional é colocado para o aluno e o entendimento do mesmo acerca de seu papel neste processo.
Resgate histórico da educação no Brasil: dos jesuítas à LBD
Fazendo um traçado histórico sobre os rumos da educação no Brasil, CRUANHES (2000) evidencia a relação político-ideológica vinculada às diretrizes educacionais de cada tempo, a partir de um estudo sobre a evolução do sistema educacional brasileiro desde os primórdios da colonização do país. Esse estudo apresenta grande relevância para a compreensão do contexto educacional atual.
A educação nas mãos dos jesuítas
Para a autora, essa jornada educacional no Brasil iniciou-se a partir do ano de 1549, com a chegada dos padres jesuítas no país. Nesse sentido, o papel inicial da educação durante esse período consistia em um processo de imposição de cultura, língua e religião dos colonizadores sobre os povos indígenas. A autora aponta para uma percepção da relação existente entre essa educação enquanto mecanismo de imposição cultural com o contexto político do período, em que a afirmação da supremacia cultural dos colonizadores portugueses sobre os indígenas nativos viabilizava a exploração da colônia. Os jesuítas, por sua vez, cumpriam seu papel com a disseminação da doutrina católica, já abalada nesse momento pela Reforma Protestante.
No entanto, de acordo com a autora, neste período a escola formal havia sido negada para crianças e adultos indígenas, pois “para uma economia mercantil predatória e para uma sociedade iletrada não haveria necessidade de escolas” (CRUANHES, 2000, p. 35). A educação formal direcionava-se a camadas selecionadas dentro desta estrutura social, pois os 4
brancos nascidos na colônia podiam encaminhar-se à metrópole para dispor da educação oferecida pelos grandes colégios e universidades que lá se instalavam. As missões jesuíticas possibilitaram o pouco investimento da Coroa em educação na colônia. Para a autora, os jesuítas davam conta da demanda educacional considerada necessária no período (a elite dos brancos e uma fração controlada de índios), da forma que cabia a cada um ser ensinado.
A autora acrescenta ainda que, a educação desta época, vista não como um direito de cada cidadão, mas como uma necessidade que servia a interesses muito distantes daqueles que eram educados, já trazia em sua configuração curricular um direcionamento específico;
“O currículo escolar montado sob um saber alienado, utilizado como ornamento da classe dominante e ópio do povo cristão distanciava-se cada vez mais da vida do povo.” (CRUANHES, 2000, p. 37)
Além disso, verifica que, nesse modelo educacional configurado desde a vinda dos Jesuítas, só vieram a ocorrer mudanças significativas quando as mudanças no contexto político-econômico também foram significativas para a metrópole que o administrava. Cruanhes lembra uma passagem de Leôncio Basbaum, em que o autor descreve a situação de Portugal na segunda metade do século XVIII, caracterizada pela pobreza, pela ausência de capitais e mesmo de povoação, com uma lavoura decadente, carente de braços que a trabalhassem. Também a situação decadente do sistema feudal e da própria nobreza, prejudicada pela ausência de terras e de fontes de renda, onde se salientava uma burguesia mercantil rica, embora politicamente débil.
Diante deste contexto, a trajetória educacional brasileira começa a tomar rumos diferentes quando, em 1759, os jesuítas são expulsos de Portugal e de todas as suas colônias pelo Primeiro Ministro marquês de Pombal, aproveitando o ambiente hostil existente em relação aos jesuítas naquela época por toda a Europa, como descrito por Cruanhes (2000), por conta da influência política que os mesmos tomavam nas Cortes. Segundo a autora, isso causou grande debilidade educacional no Brasil, visto que os jesuítas eram, durante esse período quem davam conta da maior parte da demanda educacional existente.
A sobrevivência sem os jesuítas
A solução encontrada foram as aulas Régias, descrita por Cruanhes da seguinte forma:
“(…) quem soubesse mais que os outros e quisesse lecionar, poderia procurar algum vereador da Câmara Municipal local, para que este solicitasse junto ao Rei a permissão para assumir as aulas pretendidas, em nível primário ou secundário. Obtida a licença de Lisboa, o professor deveria encontrar um local apropriado, como uma sacristia de igreja ou uma sala de sua própria casa, matricular os alunos e receber da Câmara um vencimento mensal saído de um imposto criado com essa finalidade, o chamado subsídio literário, cobrado dos açougues e destilarias de cachaça, instalados na Colônia (…).” (CRUANHES, 2000, p. 39)
Mudanças ainda mais significativas passaram a ocorrer no cenário político econômico brasileiro a partir da chegada da Família Real e sua comitiva no Brasil em fuga das tropas napoleônicas em 1808. A autora atenta para a complexidade que a estrutura social passava a tomar, que já não condizia nem um pouco com aquela na qual a educação era responsabilidade dos jesuítas. Havia uma produção muito mais diversa de produtos, tais como fumo, algodão e principalmente o café, e havia ainda a chegada dos imigrantes
europeus, que tornava essa nova organização social ainda mais complexa. Desta forma, a autora aponta para o impasse que se instaura no momento, devido à crescente demanda de alunos para cursos primários e secundários, somada à carência de recursos humanos e financeiros agravada após a proclamação da Independência, principalmente pelo retorno da Corte portuguesa à Lisboa, repatriando ouro e professores. A solução para esse impasse veio com o surgimento de escolas particulares patrocinadas por fazendeiros e comerciantes, dos quais a autora complementa:
“(…) esses se tornariam os primeiros empresários do ensino, oferecendo escolas pagas no Rio de Janeiro e outras cidades maiores, contando, inclusive, com a presença de professores estrangeiros.” (CRUANHES, 2000, p. 40)
De modo geral, observa-se desde já que a trajetória educacional está sempre submetida a uma ordem superior. Inicialmente com os jesuítas (e posteriormente ainda com as demais ordens religiosas que se empenhavam no ensino), os cursos eram subordinados às 6
políticas rígidas do Vaticano. Com o surgimento das escolas particulares para dar conta do déficit educacional da época, verifica-se uma nova gestão submetida aos senhores de engenho e comerciantes, seus tradicionais financiadores. Esse período pós-independência é marcado também pelo surgimento efetivo de instituições de ensino superior, de caráter civil ou militar, que, conforme a autora complementa, “eram geridas de forma burocrática, mas sob controle às vezes pessoal do próprio Imperador”. (CRUANHES, 2000, p. 42)
A educação pós Proclamação da República
Após a proclamação da Primeira República, observa-se uma crescente sobreposição do discurso ruralista por discursos urbano-industriais, potencializada, sobretudo, com a chegada dos imigrantes. A legislação passa a dizer que a escola estatal deve ser pública e gratuita, e seus custos ficariam a cargo dos Estados. Passando então de elitista para seletiva, de religiosa para laica. Cruanhes (2000) cita um discurso de Hermes da Fonseca, o qual defendia as reformas do ensino que, especialmente a partir de 1915, assumiam um tom de “entusiasmo educacional e otimismo pedagógico”, delegando a elas o fator responsável pela grande melhoria no nível do ensino, visualizada a partir da seleção dos alunos e da redução dos estudantes classificados. Para a autora, essas melhorias são por ele preconizadas nos discursos, embora o que se perceba seja a grande redução no número de alunos.
Verificamos então, a partir daí, o surgimento desta tendência, que se faz presente nos dias atuais (conforme será exposto adiante), de selecionar e reduzir numericamente os alunos como forma de filtro de qualidade de ensino.
Quanto à questão curricular, também é possível verificar já nesse período uma aproximação com o contexto curricular atual. De acordo com a autora, das importantes reformas desse período, destaca-se a de Benjamin Constant, visando à substituição de um modelo curricular de caráter “humanista” por outro de natureza científica. Essas mudanças visavam apenas diminuir os gastos públicos com educação e, ao mesmo tempo, impor limites à quantidade de vagas em disputa pelos estudantes da época, viabilizando assim o projeto do Estado de limitar o ensino às elites dominantes, abandonando toda e qualquer possibilidade de uma ampla campanha de alfabetização para atender à demanda do país.” (CRUANHES, 2000, p. 50).
Para a autora, essa democratização crescente do ensino, significou a desqualificação das escolas públicas, e as exigências de aprendizagem atreladas à hegemonia quantitativa das classes populares nessas escolas “expulsaram” as elites e as classes médias das mesmas, 7
obrigando esses grupos a (…) frequentar colégios privados caros e de boa qualidade, utilizados como passaporte quase certo para o ingresso no ensino superior, principalmente nos cursos de maiores “status” das universidades públicas federais e estaduais gratuitas.” (CRUANES, 2000, p. 56)
A educação nas mãos do Regime Militar
O crescimento de uma classe operária organizada, fortemente influenciada pelas imigrações, de acordo com Cruanhes (2000), passou a ameaçar o equilíbrio entre as forças conservadoras, as quais exerciam o poder político desde a independência, e os setores democráticos e progressistas da sociedade. Para a autora, a solução veio com o Golpe Militar, apoiado pelo capital internacional, dentre os quais os das próprias multinacionais instaladas no país. Cruanhes (2000) cita Werebe (1994:75), que diz que “o governo Kennedy estava seriamente convencido de que a situação brasileira era ‘pré-revolucionária’, fato que justificaria seu apoio ao golpe militar”.
Sobretudo, esse período é caracterizado pelo crescimento da oferta de ensino particular, especialmente de terceiro grau, que, a autora afirma, poderia ser financiado por mensalidades ou por bolsas de verbas públicas. Além disso, ela salienta a contradição existente entre o impulso secular da consolidação do percurso do aluno primário à idade adulta em todas as etapas do sistema educacional e a ação do Estado de frear as reprovações da educação básica e a aspiração das massas ao ensino superior “tanto pelo controle rígido de vagas criado nos vestibulares como pela abertura da opção massiva pela profissionalização no fim da educação básica”. (CRUANHES, 2000, p. 57)
Para a autora, o que ocorreu foi na verdade uma média entre essas duas forças contraditórias, pois a profissionalização obrigatória acabou reforçando os mecanismos de seleção, sendo que dos 15% que alcançavam o ensino médio, segundo ela, menos da metade conseguia entrar nas universidades públicas, o que gerou uma demanda crescente para cursos superiores particulares “especialmente para os de menor investimento, entre os quais os de formação de professores”. (CRUANHES, 2000, p. 57)
Diante do crescente aumento dos índices de reprovação, todas as partes envolvidas no processo educacional passam a ser culpadas pelos indicadores negativos no processo de ensino-aprendizagem, mas sem jamais enfrentar-se o nó da questão: “a falta de uma política que visasse converter discursos em instrumentos gerenciais para superar a situação a nível de sistema”. (CRUANHES, 2000, p. 59). As decisões tomadas neste âmbito giravam em
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torno das escolas privadas, experiências isoladas em escolas públicas e também das instituições de educação popular, públicas mas não estatais, como SENAI e SESI. A autora complementa ainda que, além desta tendência tecnicista que se formava com a redemocratização do país, surgiam debates acerca de teorias pedagógicas como a “crítico social dos conteúdos”, bem como as diversas variações do construtivismo de Piaget, porém “na prática, os professores, quase sempre com formação de má qualidade, dependiam cada vez mais do livro didático ou da baixa expectativa dos alunos para calibrar seu desempenho pedagógico”. (CRUANHES, 2000, p. 59).
Políticas educacionais pós-redemocratização
De acordo com a autora, a iniciativa tecnicista de caráter profissionalizante sobre o ensino médio na década de 70 fracassou devido aos preconceitos das elites, que se recusavam a sujar as mãos de seus filhos, bem aos das camadas mais pobres que, segundo ela, matriculavam seus filhos para livrá-los do trabalho manual e subalterno. No entanto, na medida em que o processo de globalização da economia mundial se aprofundou, a defasagem tecnológica se acentuou e colocou contra a parede a competitividade das exportações brasileiras, em um momento de depressão do mercado interno. Neste sentido, a autora complementa:
“A partir da segunda metade do da década de 90, sentiu-se como problema bastante emblemático para a educação o processo de aprovação da LDB e da Emenda Constitucional 14. Em ambos os casos, o Presidente da República e o Ministro da Educação contaram com a maioria avassaladora na Câmara e no Senado para aprovar políticas educacionais que se ajustassem às suas teses de ajuste da economia à estabilização da moeda, ao pagamento da dívida externa e interna e de enxugamento das despesas com pessoal.” (CRUANHES, 2000, p. 60)
Para a autora, a Lei nº 9394/96 é contraditória, no sentido de que afirma e nega direitos ao mesmo tempo, na medida em que os avanços proporcionados pela lei eram ofuscados por uma política de contenção de verbas. A autora encontra na LDB aspectos favoráveis ao ensino público de qualidade, ressaltando nela a obrigatoriedade do repasse de 9
recursos vinculados automaticamente aos órgãos responsáveis pela educação. No entanto, ela complementa:
“O problema é que, a partir do cumprimento ou não deles, definir-se-á o rumo e o destino da escola pública, teoricamente amparada pela Lei, mas ainda dependente da vontade dos governantes de plantão.” (CRUANHES, 2000, p. 61).
Diante desta perspectiva, a educação pode ser vista como um processo que viabiliza o cidadão ao atendimento das necessidades utilitárias da nação. Sendo assim, torna-se importante também uma compreensão em cima do próprio conceito de cidadania, para alcançar um direcionamento sobre onde queremos chegar, ou seja, quem é esse cidadão que se busca formar.
A construção do conceito de cidadania
Para compreender melhor a temática levada em questão, sobre a importância do reconhecimento da ideia de cidadania e o questionamento de grupos e instituições que preparam e desenvolvem o indivíduo para o exercício da mesma, faremos um breve traçado histórico apontando os rumos ideológicos trilhados e os fatores históricos que se fizeram determinantes na forma como se compreende a cidadania nos dias de hoje.
O cidadão na Antiguidade
Cidadania é um conceito abstrato que foi gradativamente sendo construído na medida em que as sociedades mais primitivas foram se organizando desde a Antiguidade. De acordo com CRUANHES (2000), o Estado aparece como entidade que determina o indivíduo, na sua condição de membro, como portador de direitos e obrigações.
“Da evolução do direito e do poder para que aquele seja elaborado, positivado e este exercido por este órgão diferenciado, vai surgir o Estado.” (CRUANHES, 2000, p. 26) De acordo com a mesma autora, na evolução histórica da organização social, a família aparece como primeiro traço de união entre os indivíduos, que se vinculavam pelos laços de consanguinidade. A família reunia entre si indivíduos portadores das mesmas obrigações de ordens econômicas e religiosas. Do âmbito familiar, surgem os laços que
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reúnem as famílias em uma organização religiosa comum, dando origem aos clãs. Destes, se constituem os Gens, que se juntam em Fratrias, dando origem, finalmente, às Tribos, de maneira que estas últimas é que vão originar as Cidades-Estados da Antiguidade.
O conceito de cidadania veio tomando forma a partir da Antiguidade Clássica, diante da qual o cidadão passa a ser entendido como “aquele que morava na cidade e participava de seus negócios”, conforme cita SILVEIRA (1997) em uma monografia sobre a evolução histórica do conceito de cidadania. A Grécia Antiga, berço do ideal democrático, se mostra como grande expoente na construção do conceito. Destaca-se através do estabelecimento de um modelo de vida social e política girando em torno da polis, que estabelece a diferenciação entre as esferas pública e privada, e uma preocupação no sentido de manter a soberania entre as mesmas. Assuntos que diziam respeito a uma, não deveriam confundir-se com os assuntos referentes à outra.
Na Grécia Antiga, considerava-se então como cidadão aquele que, além de possuir os direitos e deveres estabelecidos pela organização estatal que norteava o funcionamento da sociedade (a polis), gozava do direito de participação ativa nos negócios e nas decisões de tal organização. No entanto, restringe-se a universalidade deste conceito;
“Mas, cidadãos na Grécia do século VII a.C. eram aqueles que possuíam propriedade rural e riqueza, sendo garantido a eles o monopólio do conhecimento da época. Somente eles poderiam participar dos debates sobre os problemas de interesses gerais ou particulares na Ágora. Estavam excluídos destas discussões os escravos, as mulheres, as crianças e os metecos (estrangeiros).” (CRUANHES, 2000, p 27).
Durante a Idade Média, toda produção em cima do conceito de cidadania entrou em recesso. Segundo SILVEIRA (1997), embora neste período houvesse certo vínculo com a concepção estóica do Direito Natural absoluto e relativo, pregando a igualdade entre os homens e a ideia de que não haveria governo de homens sobre homens, na prática o indivíduo era submetido à ideia de que a ordem social era regida pela Vontade Divina. Desta forma, o lugar ocupado por cada ser humano era pré-determinado pela vontade de Deus, o que possibilitou com que as camadas da sociedade que detinham todo o poder de participação política e tomada de decisões mantivessem sua supremacia justificada pela vontade de uma ordem divina superior, a qual afirmavam representar.
Cidadania pós-renascimento
É a partir do advento da era renascentista, que vem com todas as forças colocar em questão tudo quanto foi afirmado e imposto durante a Idade Média, que se passa a vislumbrar a construção de um conceito de cidadania mais compatível com o que se verifica nos dias de hoje. Com a ascensão das cidades e a proliferação dos burgos, começam a aparecer aqueles que se opunham ao domínio feudal, às determinações da Igreja e aos privilégios da nobreza. É a partir daí que se desenvolve um conceito de cidadania em que “o cidadão é o burguês bem sucedido, que se tornará membro da classe dominante, acreditando no direito de cidadania para todos, inclusive, na necessidade de acesso à escola para todos”. (CRUANHES, 2000, p.43)
Desta forma, o conceito de cidadania vai sendo construído paralelamente ao ideal do liberalismo, que começa a ser desenvolvido na Europa do século XVIII, defendendo a redução da interferência estatal, e o aumento dos direitos ligados à liberdade individual para atuação nos campos econômicos, políticos, intelectuais e religiosos;
“A concepção individualista da sociedade, ocasionada pelo Jusnaturalismo, significou que, em primeiro lugar, viria o indivíduo, o qual possui valor em si mesmo, para, somente depois, vir o Estado, e não vice-versa, uma vez que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado.” (SILVEIRA, 1997).
Com o avanço desta perspectiva, o conceito de cidadania foi aos poucos e implicitamente se distanciando da ideia de direitos e deveres individuais e se associando cada vez mais com a perspectiva consumista. A ideia de cidadania enquanto direito de comprar e vender. o lugar anteriormente ocupado pelas organizações monárquico/estatais foi aos poucos sendo substituído com a ascensão da burguesia através do ideal liberal, de modo que o Estado vai aos poucos cedendo seu lugar de norteador dos direitos e deveres inerentes ao cidadão às grandes corporações. SANTOS (2007) caracteriza esse período a partir do […] papel da máquina e do industrialismo no intercâmbio social, o uso da astúcia ou da força nas relações internacionais, a chegada do capitalismo corporativo e a instrumentalização das relações interpessoais, a vitória do consumo como fim em si mesmo, a supressão da vida comunitária baseada na solidariedade social e sua superposição por sociedades competitivas que comandam a busca de status e não mais de valores.
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Para o autor, o capitalismo corporativo chega com todas as suas forças através da Revolução Industrial, desencadeando um longo processo no qual “Em lugar do cidadão, formou-se um consumidor, que aceita ser chamado de usuário”. (SANTOS, 2007, p. 57)
Sendo assim, de acordo com o autor, também o próprio conceito de cidadania vai sendo modulado a partir das necessidades de um sistema, e é a partir destas modulações que as relações sociais passam exponencialmente a ser mediadas, cada vez mais a partir das determinações do modelo corporativista em vigência.
Tais formulações remetem a um questionamento fundamental para a realização desta pesquisa: como os alunos percebem que a escola contribui para a sua formação enquanto cidadão, e de que forma a escola o prepara para o futuro?
Os rumos do processo educacional na atualidade
A educação segundo Arendt
Ao questionar os rumos da educação na atualidade, é imprescindível refletir sobre o fim que move todo esse processo no qual ela se insere. Cabe aqui a concepção de Arendt acerca do tema. CARVALHO (2009) afirma que a essência da educação é a natalidade, ou seja, o fato de que os seres nascem para o mundo. Esse mundo que, por sua vez, precede a existência do ser e permanecerá após o final desta. Desta forma, todo tipo de construção simbólica, significações e o próprio acervo cultural deixado pelas gerações anteriores devem ser herdados pelas novas gerações, que por sua vez renovam esse conteúdo e o repassam às próximas gerações.
A educação, portanto, vem como uma forma de viabilizar esse conteúdo aos seres recém-inseridos nesse mundo. É neste sentido que Arendt (1979) entende que a essência da educação está no conceito de natalidade. Tal conceito entende cada novo ser humano como um ser novo no mundo, devendo portanto ser inserido nas construções simbólicas e culturais já existentes no mesmo, a fim de possibilitar sua participação naquilo que já foi elaborado pelos seus antecessores e renovar esse conteúdo a partir de suas vivências e interações com esse mundo, garantindo aos seus sucessores essa mesma possibilidade.
“O mundo não se constitui, pois, de coisas que se acumulam, mas de objetos produzidos e compartilhados pelos homens.” (CARVALHO, 2009, p. 20)
Diante disto, a educação pode ser definida como um processo fundamental para a vida em sociedade, o qual viabiliza que o mundo seja compartilhado em suas diversas formas de representação, dentro de significados comuns e públicos. Neste sentido, o autor complementa.
“O que faz de um objeto uma catedral não é a disposição das pedras e demais materiais que integram sua existência física, tampouco a possibilidade de um abrigo contra intempéries, mas o fato de ser um objeto cujo sentido religioso, histórico ou estético é compartilhado por uma comunidade de homens (…)”. (CARVALHO, 2009, p. 20)
Portanto, a educação pressupõe dois tipos de responsabilidade: a responsabilidade pela formação e inserção do indivíduo recém-chegado ao mundo, e pela continuidade desse mundo de significações. Isso implica um novo conflito, descrito por Arendt no trecho abaixo;
“[…] a criança requer cuidado e proteção especiais para que nada de destrutivo lhe aconteça de parte do mundo. Porém, também o mundo necessita de proteção, para que não seja derrubado e destruído pelo assédio do novo que irrompe sobre ele a cada nova geração.” (ARENDT, 1979, p. 235).
A qualidade na educação
Essa ideia descrita por Arendt (1979) dá um direcionamento quanto ao sentido da educação para a formação do cidadão e consequentemente da sociedade como um todo. No entanto, é importante considerar também a maneira com que se busca alcançar a qualidade neste processo, bem como a forma com ela é compreendida. Para PERRENOUD (2003), hoje em dia, o sucesso escolar, de modo geral, é avaliado pelo desempenho objetivamente verificável dos alunos. Obtém êxito aqueles que satisfazem as normas escolares e progridem letivamente nos cursos, estando inseridos dentro de normas culturais e sociais reconhecidas pela instituição. Com o advento das “listas de classificação das escolas”, que são frequentemente consideradas como atestado de sucesso escolar e avaliam de maneira imparcial os conceitos que os alunos foram capazes de absorver, verifica-se uma redução do amplo conceito que abrange a questão do sucesso escolar – que implica no estabelecimento da formação de cidadãos ativos – na medida em que se avalia tal sucesso de maneira geral e objetiva, através da pontuação adquirida nas provas.
Considera-se assim, pois, na perspectiva do autor, o método de classificação escolar como reducionista, visto que a reputação de um estabelecimento se deve muitas vezes ao rigor da seleção que ele promove no ingresso e decorrer do processo de escolarização, o que estimula a desigualdade e promove uma seleção que exclui os que possuem maior grau de dificuldade ao invés de instruí-los. Desta forma, os êxitos apontados pelas estatísticas deixam em segundo plano os casos isolados de fracassos individuais. Os números são capazes de encobrir os alunos com grandes dificuldades de aprendizado, no entanto os mesmos não deixam de existir.
Outro fato que merece ser destacado se refere à abrangência da avaliação, de modo que esta trata o sucesso escolar de maneira geral e objetiva, sem considerar o conjunto de fatores que determinam o sucesso escolar dos alunos, tais como o nível inicial em que os alunos ingressam nas escolas, que está intensamente ligado ao contexto familiar e sociocultural, e as condições de desigualdade social em que o contexto escolar se insere. São fatores que fogem ao controle da instituição.
Na incapacidade de controlar tais fatores, algumas instituições lançam mão de mecanismos rigorosos de seleção no ingresso e no decorrer da trajetória escolar de seus alunos, conforme citado anteriormente, como forma de se adaptar ao rigor não menos reducionista das listas de classificação das escolas. Para o autor,
“Um estabelecimento deveria levar todos os seus alunos a um nível aceitável e não deveria se contentar em compensar graves fracassos individuais com êxitos brilhantes.” (PERRENOUD, 2003 p. 10).
Dessa forma, as avaliações do ensino, tanto no âmbito local quanto no âmbito internacional, possuem caráter de exclusão, no sentido de deixar de lado os alunos que de alguma forma não dispuseram da capacidade técnica para assimilar os conceitos outorgados pela instituição diante da exaltação daqueles que foram capazes de assimilar fielmente esse conteúdo. Neste sentido, o autor conceitua que “É mais rápido e barato ater-se a provas escritas, reduzindo, desse modo, as aprendizagens escolares às aquisições cognitivas, dando prioridade às disciplinas principais e às operações técnicas” (PERRENOUD, 2003, p. 12). Ou seja, aquilo que também se vê caracterizado pela organização da matriz curricular das escolas de ensino médio do estado de São Paulo, de acordo com a Resolução SE 83, de 25 de novembro de 2008, publicada no Diário Oficial, conforme segue ilustrado na tabela¹. Ainda sobre este assunto, mais adiante o autor complementa:
“Esse efeito dominante da padronização vai possivelmente concentrar as prioridades curriculares naquilo que parece facilmente mensurável e comparável no interior de um sistema educacional, ou entre sistemas: operações, memorização, formas verbais, ao invés de raciocínio, imaginação ou argumentação.” (PERRENOUD, 2003, p. 13).
Educação Bancária e Educação Libertadora
Desta maneira, configura-se um modelo educacional baseado em um movimento rígido de transferência de conhecimento. Neste sentido, Paulo Freire cria dois conceitos antagônicos; educação bancária e educação libertadora. A primeira se caracteriza pelos princípios nos quais se baseiam as diretrizes do modelo educacional vigente. É, portanto, aquele modelo “conteudista”, em que o educando é concebido como recipiente vazio a ser preenchido pelo conteúdo transmitido pelo educador. Quanto maior a capacidade do educador de “encher” seus educandos com o conteúdo estabelecido, mais bem sucedido estará sendo em sua tarefa de “educador”, enquanto, por outro lado, quanto mais o educando se permitir ser “enchido” por esse conteúdo, melhor aluno será.
“Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante.” (Freire, 1981).
Desta forma, Freire (1981) destaca a impossibilidade de se conceber o conhecimento enquanto processo de busca dentro da perspectiva da educação bancária, considerando-se a estagnação conduzida por essa relação inerte em que o educador se mantém na posição fixa de transmissor de conhecimento e o educando de receptor.
Em contrapartida, Freire (1981) propõe a formulação de um conceito de educação libertadora, baseada na humanização conjunta entre educadores e educandos, que por si promove a libertação de ambos. A educação libertadora (ou problematizadora), segundo Freire, deve suplantar a contradição entre educador e educando, existente na educação bancária, promovendo um modelo que tenha por essência o diálogo mútuo em que se constrói o conhecimento. O educador não mais educa o educando, mas educa com o educando e é educado com o educando. O educando por sua vez é educado com o educador e educa enquanto é educado.
Desta forma, Freire (1981) propõe uma educação libertadora que rompa com os “argumentos de autoridade”, de maneira que (…) para ser, funcionalmente, autoridade, necessita-se de estar sendo com as liberdades e não contra elas. (p. 63)
Considerações em torno do ato de estudar
O ato de estudar reflete a busca por compreender e entender para que seja possível ter amplo domínio de determinado assunto, portanto a bibliografia se torna uma ferramenta indispensável para pesquisa de qualquer assunto que se pretende compreender.
A bibliografia vai além de meras palavras escritas sobre o assunto. Ela tem o poder de desafiar, frustrar e indagar o leitor sobre determinado assunto. Se falta ânimo ou entusiasmo por parte do leitor a bibliografia se torna um papal entre muitos jogados na gaveta sem valor.
Essa intenção se torna fundamental para a pesquisa, dando a ela um respeito mútuo e triplo: para quem ela se dirige, para os autores citados e para o próprio pesquisando, portanto a relação bibliográfica não é uma simples cópia de títulos, também não é uma prescrição dogmática do assunto, mas sim um desafio que se forma na medida em que se lê o texto a fim de compreendê-lo, e não como se apenas o folheasse.
Estudar é realmente uma tarefa difícil, que exige dedicação e uma postura crítica e sistemática de quem o faz, exige uma disciplina intelectual que não se ganha a não ser praticando. Isso é exatamente o que a educação denominada por Freire (1981) como bancária não faz. A educação bancária retira dos estudantes a curiosidade, seu espírito investigador e, consequentemente, sua criatividade, dando em troca o contentamento ingênuo e ignorante.
Este procedimento se reflete na fuga dos estudantes aos textos que são puramente tidos como códigos a serem decifrados, em que a leitura se torna puramente mecanicista, propondo a memorização e não a compreensão do texto. Portanto, neste modelo, o desafio se resume em memorizar e decodificar as palavras.
Segundo Freire (1981), na formação de um cidadão se espera uma visão crítica de mundo, que implica em se sentir desafiado pelo conteúdo didático, isto é, se apropriar no sentido mais profundo de sua significância, não “vomitando” conteúdos prontos para serem degustados, quase domesticando os estudantes para se tornarem fiéis magnetizados pelas palavras do autor, não cabendo interpretação, apenas uma passiva decodificação. Portanto, se torna indispensável que o estudante seja estimulado a assumir o papel de agente ativo no texto.
Explorar a fundo o ato de estudar é uma atitude frente ao mundo, essa é a razão pela qual escrevemos e produzimos conhecimento, pois as palavras do autor refletem essa relação de enfrentamento do mundo com seus autores. Ainda que os livros ou textos sejam de uma realidade fictícia expressa numa forma deformada, seu enfrentamento ou fuga de tal mando, através da escrita é possível pensar a prática, e pensar a prática é a melhor maneira de pensar para praticar.
O exercício dessa postura curiosa e crítica leva à agilidade das relações, resultando em um amplo e melhor aproveitamento da mesma, portanto o registro se torna algo desafiador em que se registra e se desafia ao mesmo tempo. Todo esse processo gera uma reflexão profunda do tema, onde se busca mais textos que possam ajudar a fundamentar reflexões. É a partir desta dinâmica, descrita por Freire (1981), que se buscará, ao entrar em contato com os alunos, compreender a forma com que as escolas contribuem para o desenvolvimento dessa postura crítica por parte do aluno.
Problema e Objetivo
Embora os discursos muitas vezes apontem para uma educação que garanta ao cidadão condição de autonomia e a capacidade de utilizar o conhecimento adquirido nos momentos adequados, as salas de aula mostram uma realidade ainda bastante semelhante à metodologia utilizada em tempos mais remotos, onde o estudante é novamente colocado como espectador ou reprodutor do método científico. Uma análise da Matriz Curricular das escolas estaduais de São Paulo no Ensino Médio, ilustrada na tabela¹, mostra o quanto as disciplinas de conhecimento técnico ainda se sobrepõem às disciplinas que desenvolvem o pensamento e uma elaboração crítica acerca do mundo e de si mesmo. A pesquisa busca refletir sobre o sentido do processo educacional no estado de São Paulo, através da análise do currículo das escolas estaduais, tendo como plano de fundo a questão da formação do cidadão.
Buscamos, com esse trabalho, compreender a relação existente entre as diretrizes que norteiam o sistema educacional atual e a necessidade de se formar um cidadão ativo em sua digna definição. A partir disso, procurar compreender a forma com que alunos, na condição de protagonistas de seu processo educacional, entendem a maneira com que o currículo escolar é colocado.
O objetivo deste estudo é contribuir com o desenvolvimento de uma postura crítica do aluno em relação ao processo educacional em que está inserido, integrando o mesmo aos mecanismos que constroem este processo. A partir do entendimento do conceito participativo de cidadania, buscar desenvolver a idéia de participação do aluno no processo educacional entendido como preparação para o exercício da mesma.
Procedimentos
Participaram desta pesquisa 12 jovens de ambos os sexos com idade entre 17 e 32 anos, estudantes do terceiro colegial no período noturno de uma escola Estadual situada na Região Metropolitana de São Paulo, sendo eles: Marisa1 e Renato com idade acima de 18 anos e Karen, Gustavo, Sebastião, Mauricio, Alan, André, Lucas, Felipe, Cintia e Tereza menores de idade.
Utilizamos Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a Instituição, um para os alunos, e outro para os pais dos alunos menores de idade, e um roteiro de entrevista, na realização da entrevista foi utilizado um gravador.
Convidamos alunos do 3º ano do ensino médio para realização da pesquisa. Tivemos no total 12 pessoas interessadas. A administração da escola cedeu uma sala para realização da pesquisa, onde realizamos com os 12 alunos um grupo reflexivo no dia 18/05 às 19h.
No dia 18/05 iniciamos a pesquisa que durou cerca de 2h. Utilizamos o roteiro, mas a maioria das questões foi sendo levantada no decorrer da discussão.
Tivemos um segundo encontro com os alunos, para dar uma devolutiva acerca das percepções que tivemos em nosso primeiro encontro, bem como trazer à tona a repercussão exercida pelo trabalho nos alunos.
Resultados e Discussão
Tínhamos a expectativa que teríamos de incitar os participantes a uma reflexão que viabilizasse a entrada na temática proposta. Chegamos a cogitar a possibilidade de iniciar o encontro com alguma atividade lúdica a fim de facilitar o contato deles com a proposta. No
1 Todos os nomes dos participantes são fictícios.
² Pesquisa aprovado pelo Centro de Estudo e Pesquisa em Psicologia e Educação da Universidade Paulista – UNIP.
entanto, logo no início surpreendemo-nos de forma positiva, com engajamento por parte dos alunos para discutir os temas apresentados, evidenciado uma disponibilidade para refletir sobre o tema proposto. O roteiro de entrevista que elaboramos foi utilizado apenas como plano de fundo para o direcionamento da discussão.
Após o encontro realizado, com posterior transcrição e analise do material produzido, as categorias foram intituladas como:
Na sequência, apresentaremos as sínteses das categorias acima citadas:
Na categoria: “A falta de autonomia dos professores em relação ao currículo escolar” estão presentes relatos como o de André, que considera que os professores são excelentes e que poderiam ensinar conteúdos além daqueles designados pela grade curricular, mas que se encontram limitados em sua autonomia pelas apostilas implantadas pelo Governo do Estado. André continuou sua crítica afirmando que as apostilas deveriam auxiliar os professores e os alunos, e não se transformar em uma ferramenta que limita os professores e o aprendizado dos alunos.
Cintia ressaltou que grande parte do conteúdo das apostilas não possui utilidade, afirmou que as utiliza apenas por obrigação, pois elas tornam o ensino cansativo e nada prazeroso. Gustavo concordou com Cintia, dizendo que quando o professor exerce sua autonomia, propicia que os alunos se interessem mais pelo assunto, e consequentemente se esforcem mais para aprender. Felipe complementou afirmando que fica agradecido aos professores que se disponibilizam a fugir dos conteúdos das apostilas, pois estes conseguem despertar um maior interesse e uma melhor crítica nos alunos.
Gustavo contou entusiasmado sobre um professor que aplicava uma metodologia diferenciada de ensino, não seguindo os conteúdos da apostila e fazendo aulas informais e irreverentes ao exercer sua autonomia. Segundo o aluno, esse professor não se encontra mais na escola por não seguir os conteúdos propostos pela grade curricular.
Na categoria “A proposta de ensino presente na grade curricular: a manipulação das consciências”, André, Renato e Alan disseram que a grade curricular proporciona uma aprendizagem limitada, e que sentem a necessidade de buscar outras maneiras de conhecimento, pois o conteúdo proposto pretende formar um cidadão padrão, um operário
que pouco consegue refletir sobre a desigualdade em que se encontra, não conseguindo contestar o que lhe é imposto pelo sistema. Os três alunos finalizam concordando que o objetivo da grade curricular é a padronização das pessoas.
Cintia concordou e complementou dizendo que tal padronização é de interesse do sistema capitalista, o qual, segundo ela, procura limitar o questionamento sobre o contexto em que as pessoas se inserem. Renato disse que as apostilas utilizadas são elaboradas a partir de ideologias criadas pelo Governo, o qual pretende formar cidadãos pacíficos, e não participativos. Cita que o material utilizado limita as possibilidades de aprender história e filosofia em profundidade, diminuindo assim a possibilidade do desenvolvimento de um pensamento crítico. Renato concluiu dizendo que percebe uma intencionalidade do Governo na elaboração desse material.
Tereza e Renato afirmaram que há sobreposição das matérias técnicas sobre as humana. Disseram que as matérias humanas auxiliam no desenvolvimento de um pensa crítico, e uma aplicação adequada dessas disciplinas conflitariam com os interesses dos governantes, pois contribuiria com a formação de um cidadão capaz de romper com a ordem estabelecida.
Marisa, Lucas e Gustavo concordam que a educação recebida na escola não lhes propicia um pensamento crítico. Apontam essa educação como alienante, como instrumento de perpetuação e reprodução de uma determinada ordem social, impactando assim no exercício da cidadania, tornando natural o inaceitável.
Diante do que foi exposto, foi criada a categoria “Formação educacional e cidadania”. Ao que se refere à compreensão dos alunos sobre a cidadania, encontramos relatos como o de Tereza e Gustavo, que definem como cidadania o direito e possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo, zelando para que seus direitos não sejam violados, Tereza concluiu dizendo que a principal e mais possível forma de exercício da cidadania nos dias de hoje é a pratica do voto eleitoral. Gustavo complementou salientando a importância e a responsabilidade do exercício da democracia, em seguida disse que a grade curricular não os prepara para o exercício da cidadania e não torna os estudantes críticos e participativos. Para ele isso tem impacto no exercício da democracia, pois essas são características essenciais para a reflexão e escolha dos governantes. Conclui dizendo que esse é o objetivo da grade, não torná-los críticos, para assim não refletirem ou questionarem a forma de atuação de nossos governantes. Nesse momento, Gustavo fala da intenção e importância da arte na historia do país, cita a ditadura e o quanto a arte impulsionou um movimento de oposição a esta. Disse que a música contribui para a reivindicação e reflexão das pessoas. Questionou o sentido prático das atuais aulas de Arte, que apenas oferece atividades da ordem de colagens e autorretratos. Para ilustrar seu discurso, utiliza-se de um trecho da música “Quando o Sol Bater na Janela do seu Quarto” da banda Legião Urbana: “até bem pouco tempo atrás, poderíamos mudar o mundo, quem roubou nossa coragem?”. Cintia falou sobre a omissão de direitos, citando a falta de compromisso das pessoas com o direito de votar. Marisa acrescentou relatando a existência de uma “alienação” criada pelo sistema, que tem por intuito formar cidadãos consumidores que trabalham, compram e assistem futebol aos domingos para se distrair, dando pouca importância à responsabilidade do voto.
Na categoria “A compreensão dos alunos sobre qual deveria ser a proposta de ensino”, encontramos relatos como o de Tereza, que falou sobre a relevância das matérias técnicas na grade curricular, sugerindo que os alunos deveriam ter certa liberdade para escolher a predominância de cada matéria em seu currículo individual, visando um desenvolvimento em prol de suas próprias aspirações. Diante desse posicionamento, Renato relacionou as matérias humanas a pensamentos políticos, que retratam a realidade de cada época. Em seguida criticou os custos com as apostilas, dizendo que tal valor poderia ser destinado ao aumento no salário dos professores. Tereza concordou acrescentando que para investir em educação, deve-se principalmente investir no salário dos professores.
Posteriormente, Gustavo também questionou a relevância do investimento nas apostilas, reconhecendo nelas uma “padronização” prejudicial no desenvolvimento da faculdade de pensar por si próprio. Tereza concorda, e diz que a aprendizagem seria muito mais efetiva se os professores tivessem liberdade e autonomia na decisão dos conteúdos das aulas. Gustavo nos contou a historia do professor que foi muito criticado por não seguir as apostilas, mas que conseguiu com isso despertar nos alunos um interesse pela disciplina. Acrescentou que leu Marx, Candido, Sócrates e outras obras que nunca se imaginara lendo e que jamais aprendera tanto em sua vida. Contou que, apesar disso tudo, o professor foi demitido. Finalizou afirmando que “os professores que tentam sair deste sistema são demitidos”.
Gustavo também questionou a ênfase dada pela escola às excursões ao Play Center, em detrimento a excursões culturais. Tereza afirmou que isso acontece porque excursões artísticas “abrem a mente”, complementando posteriormente que vai ao Play Center apenas para se divertir, retornando do mesmo jeito, enquanto que ao teatro pode voltar modificada, transformada. Gustavo finalizou dizendo que mesmo diante da luta dos professores para conseguir levá-los ao teatro, passam-se meses e ainda assim não conseguem, enquanto ao Play Center eles simplesmente “vão lá e colam um cartaz na parede”. Isso porque, de acordo com o mesmo, a diretoria “embaça” e o governo não permite, concluiu com uma reflexão de que fazer uma coisa que proporcione algo que lhes desenvolvam o pensamento é difícil e, por outro lado, fazer uma coisa “fútil” é fácil.
Posteriormente, Tereza aponta para um prejuízo que matérias como filosofia e história acabam tendo devido à limitação imposta pelas grades, e Gustavo questionou o sentido prático atual de disciplinas como Artes, que poderiam motivar os alunos a mudar o mundo, mas a aula não atinge essa perspectiva.
Tereza complementou citando que quando estava na quarta série ia mais ao teatro, e que, atualmente, no entanto, consegue ir uma vez ao ano com muita dificuldade. Para ela, com esses eventos culturais, os alunos poderiam estar aprendendo além do que se vê na escola, comentando que “a educação está regredindo”, continuou dizendo que considera insuficiente o aprendizado que disciplinas como sociologia e filosofia proporcionam atualmente, frente ao que se espera desse tipo de aprendizado. Cintia complementou dizendo que as disciplinas de Ciências Humanas, além de possuir pouco espaço dentro do currículo, são aplicadas de forma “cansativa”. Teresa finalizou dizendo que diante da importância dessas disciplinas, deveriam estar aprendendo muito mais.
Na categoria “O direito de participação dos alunos na construção do processo educacional em que se inserem” podemos verificar colocações como a de Renato, que comentou a impossibilidade de participação dos alunos nas decisões que definem o rumo da educação da qual se beneficiam, questionando a condição atual do nosso país, que se diz democrática.
Diante do posicionamento de Renato, Tereza complementou questionando se foi feito algum teste que comprovasse a eficiência das apostilas e se perguntaram aos alunos se concordavam com a implantação das mesmas. Posteriormente, Felipe comentou a omissão das pessoas com relação a seus próprios direitos, descrevendo uma situação geral dos alunos, que vão direto do trabalho para a escola e recebem bolachas como merenda sem contestar por uma refeição mais reforçada, devido à necessidade gerada por um dia inteiro de trabalho.
Diante de um questionamento sobre um espaço dentro da própria escola para exercer o direito de participação, Tereza respondeu positivamente comentando sobre o mutirão realizado todos os anos para limpar as carteiras e, no entanto, alega que ninguém participa e, além disso, ainda riscam e grudam chicletes nas carteiras sob a justificativa de que “é de graça”. Posteriormente, respondendo ao questionamento sobre espaço para cobrar o direito de participação dentro da escola no âmbito da tomada de decisões, ela citou o grêmio estudantil, que não ocorreu neste ano devido ao ocorrido no ano anterior, em que só houve preocupação com festas e não houve mobilização por parte dos alunos, pois, de acordo com ela, “as pessoas não acreditam que exercem poder”. Gustavo, por sua vez, comentou que qualquer um pode exercer esse tipo de participação, mesmo que a escola não ofereça esse espaço, acrescentando ser representante de sua sala e descrevendo seu desconforto ao ver-se sendo responsabilizado por coisas que deveriam ser responsabilidade de cada um e finalizou dizendo que os alunos esperam que seja feito tudo por eles.
Posteriormente, comentou que o grêmio não pode ser vetado pois é um direito constitucional. Cintia, por sua vez, complementou dizendo que alguns comportamentos dentro do grêmio podem ser vetados, porém não o grêmio em si, pois a autoridade escolar não pode conflitar com a autoridade da legislação. Eliana (entrevistadora) questionou se os alunos haviam tentado conversar com a diretora sobre isso. Ocorreu uma mobilização por parte do grupo, mas ninguém foi conversar com a diretora. Anderson respondeu que os alunos têm medo dela, pois ela é “autoritária”, “inflexível” e não é “uma pessoa social”.
Tereza, por outro lado, comentou que tentou conversar com a mesma sobre este assunto e a mesma respondeu definitivamente que não haveria grêmio esse ano, então desistiu. Disse que insistir seria perda de tempo. Diante dessa afirmação, Leandro (entrevistador) pergunta ao grupo se concordavam que lutar pelos direitos seria “perda de tempo”. Gustavo respondeu que não acha que lutar pelos direitos seja perda de tempo, mas faz uma comparação da diretoria da escola com “Geraldo Alckimin”, dizendo que se você não se adapta às regras, acaba sendo prejudicado.
Na categoria “Desigualdade social e exclusão cultural”, Tereza diz que existe uma grande desigualdade na qualidade do ensino de Escolas Publicas e Escolas Privadas, e por consequência a maioria dos alunos com média alta nas provas do Enem e Fuvest estudam ou estudaram nessas escolas. Ela relata que por conta da desigualdade do ensino a maioria dos alunos de faculdades públicas veio de escolas privadas, que lhes deram mais preparação. Gustavo disse que em nossa sociedade as crianças aprendem a perceber a desigualdade social com uma realidade imutável e inquestionável. Tereza concorda e complementa dizendo que não deveria ser assim, as crianças deveriam ser motivadas a transformar essa realidade, e afirma que isso só é possível através de uma educação de qualidade.
Cintia relata que não há investimento da escola em passeios culturais, e quando os professores viabilizam esses passeios encontram dificuldade de liberação com direção. Cintia e Tereza julgam o teatro “caro” e dizem que não possuem condições financeiras para frequentá-lo. Gustavo relata que suas possibilidades de acesso ao lazer são limitadas por sua condição financeira, e que a escola poderia investir mais nesse tipo de passeio, proporcionando aos alunos essa vivência rica e significativa para sua formação.
Ao elaborarmos a proposta de discussão com os alunos, pretendíamos abordar os temas de maneira a despertar uma reflexão crítica acerca da temática abordada no trabalho. Embora contássemos com a possibilidade desse “despertar” para uma posição crítica diante dos temas, ficamos perplexos com as profundas reflexões desenvolvidas por esses jovens. Apresentaram uma postura vigorosamente crítica e reflexiva diante dos temas discutidos, sem que precisássemos exercer grandes intervenções para que isso ocorresse.
A proposta de discussão nos proporcionou um contato com a concepção daqueles em quem o processo educacional deve focar seus objetivos: os alunos. Muito se discute sobre o que deve ser feito e que tipo de decisões devem ser tomadas dentro deste processo. No entanto, pouco ou nenhum espaço é aberto para que os próprios alunos se coloquem à frente dessas discussões. A pesquisa nos mostrou que há grande demanda desses alunos em discutir temas inerentes ao processo educacional, evidenciando uma carência de espaço para que isso ocorra.
Os próprios alunos se queixam dessa ausência, e podemos compreendê-la a partir dos questionamentos de Santos (2007) a respeito da formação do cidadão nos tempos atuais. Para ele, o cidadão é formado à mercê das necessidades da máquina corporativa, e o conceito de cidadania, aos poucos vai se reduzindo ao direito de comprar e ao dever de trabalhar para possuir essa condição. Os alunos participantes desse processo reconhecem esse movimento que direciona o foco da atuação do cidadão ao consumismo. É possível verificar essa percepção quando Allan usa o termo “cidadão padrão” para definir sua concepção a respeito do tipo de cidadão que acredita que as diretrizes de ensino buscam formar. Renato complementou dizendo que não se busca formar pessoas que tenham outros pensamentos, e sim operários.
Não obstante, existe também a questão das apostilas. Os alunos mostram-se decepcionados com o poder exercido por essas apostilas, que obrigam os professores a submeter suas aulas a seu conteúdo. Nesse sentido, mostrou-se bastante coerente a reflexão desses jovens de que há uma intencionalidade no sistema educacional quanto ao atendimento à demanda apresentada pelo sistema corporativo, pois na medida em que se estabelece como primordial o conteúdo pronto e fechado das apostilas, não há espaço para que haja uma construção pautada pela peculiaridade das experiências e pela relação particular de cada um com o processo. Essa proposta de ensino conteudista, baseada no cronograma das apostilas e não na relação que se dá entre professor e aluno, agentes do processo de ensino/aprendizado, faz referência à formulação de Freire (1981) acerca da Educação Bancária. Nesta, o aluno é concebido como um recipiente vazio que deve ser preenchido pelo conteúdo que lhe é passado pelo professor. O professor, por sua vez tem o papel unicamente de preencher esses recipientes vazios com o conteúdo das apostilas. Os alunos seriam, portanto, os depositários desse sistema e os professores os depositantes e a relação aluno/professor se resume a essa relação de “depósito de conhecimento”.
Os alunos, por outro lado, reconhecem a eficiência de outra forma de se estabelecer essa relação, conforme aparece no relato de Gustavo, que comentou a respeito do professor de história que não seguia as apostilas e que despertou nos alunos o interesse de ler “um livro de mais de trezentas páginas” sem obrigá-los. Acrescentou ainda que tal professor, que despertou nele o interesse em ler Marx, Candido, Sócrates e outras obras que comentou nunca imaginar-se lendo, foi demitido por não seguir as apostilas. Os demais alunos demonstram concordância e o professor em questão é frequentemente mencionado por despertar neles um senso crítico.
Isso reforça a ideia de que a possibilidade de levar os alunos a uma reflexão mais aprofundada é subjugada pelo poder das apostilas. As apostilas, por sua vez, parecem causar um distanciamento dos alunos com relação ao aprendizado. Ao falar sobre a relevância de cada matéria dentro da grade curricular, a maioria dos alunos trouxeram disciplinas como sociologia e filosofia, considerando-as como fundamentais para o desenvolvimento de um senso crítico para que o indivíduo exerça sua cidadania. No entanto, ressaltam que nessa escola, tais disciplinas têm sido as de menor relevância dentro do quadro, pois as aulas ficam presas às apostilas e os alunos parecem encontrar pouco sentido prático na disciplina da forma como é aplicada.
Cruanhes (2000) verificou que desde a época dos Jesuítas desenvolvia-se um modelo educacional que tinha por objetivo principal atender às necessidades da classe dominante e não à demanda de aprendizado da população, fazendo com que a mesma se configurasse de forma a se distanciar cada vez mais da vida do povo. Não obstante, os alunos reconhecem dentro da proposta de ensino um forte viés de preparação para o vestibular. Isso significa que muito antes dos alunos saberem o que querem (se é que querem) prestar um curso Superior, já estão sendo preparados para isso, reforçando a ideia trazida por eles de que a formação educacional obedece a imperativos mercadológicos.
Foi interessante verificar que, embora houvesse no discurso desses alunos uma denúncia de que o processo educacional atual não os desenvolva para uma reflexão crítica frente às questões diversas da sociedade em que vivemos, suas reflexões nos encontros se mostraram surpreendentemente críticas, tanto com relação ao sistema de ensino, como à questões políticas gerais. Isso nos leva a questionar se de fato a defasagem escolar dos dias de hoje está apoiada na falta de interesse dos alunos em adquirir conhecimento, ou se há muito mais questões a serem levadas em consideração, como foi verificado nos resultados desta pesquisa.
Conforme descrito anteriormente, não foi necessário realizar grandes intervenções para que se apresentassem essas reflexões e a discussão adquirisse o nível verificado. Bastou nos colocarmos à disposição para ouvir o que eles tinham a dizer. Isso nos faz pensar na importância da escuta dentro do processo de aprendizado e, considerando o processo educacional não apenas como formação de mão de obra para o mercado de trabalho, mas sob a perspectiva de formação de cidadãos, capazes de refletir e intervir no sistema em que vivem, essa escuta se torna fundamental, pois além de iniciá-los no conceito de “participação” próprio da ideia de cidadania, provém o espaço que se mostrou necessário para que esse tipo de reflexão se desenvolva.
Conclusão
Concluímos que os alunos de forma surpreendente demonstraram grande interesse em atuar dentro do processo educacional de forma ativa, entretanto têm dificuldades em ter acesso a um espaço de diálogo sobre esta temática.
Foi comum os alunos compreenderem que a grade curricular tende a formar um “cidadão padrão”, despotencializado em seu poder de crítica, e que pouco se envolve com movimentos destinados à transformação social, colaborando para que a tendência neoliberal continue em ascensão.
Os alunos discorreram sobre a sensação de serem apenas depositários do conhecimento, na qual uma metodologia conteudista limita as possibilidades de reflexão.. Os alunos valorizaram os educadores que têm uma posição amistosa que se desviam dos conteúdos apostilados.
Fica evidente que há grande interesse dos alunos, havendo em seus relatos um senso crítico e disponibilidade para aprender, o que confronta o discurso de que não há interesse por parte dos alunos em aprender.
Observamos que os alunos são as maiores vítimas na decadência que se encontra a educação, e que ofertar uma escuta diferenciada se mostrou como um caminho potencialmente interventivo, uma vez que estes alunos valorizaram a abertura do espaço que lhes foi oferecido.
Referências Bibliográficas:
ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo, Editora Perspectiva. 1979. CARVALHO, J. Hannah Arendt Pensa a Educação. São Paulo, Editora Segmento. Revista Educação, 23ª Edição, 2009
CRUANHES, M. Cidadania: Educação e Exclusão Social. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor. 2000
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1981
MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos.”Reforma Capanema” (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira – EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002, http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=371, visitado em 11/5/2011.
PERRENOUD, P. Sucesso na escola: Só o currículo, nada mais que o currículo. Genebra, Cadernos de Pesquisa, n. 119, p. 9-27, 2003
SANTOS, M. O Espaço do Cidadão. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo. 2007.
SILVEIRA, C. Cidadania. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 18, 24 ago. 1997. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/78>. Acesso em: 11 out. 2011
Memorial
Encontramos grandes dificuldades para encontrar uma escola que aceitasse nossa proposta de pesquisa. Resolvemos seguir as orientações do supervisor Denio, para irmos à escola em que um de nós já estudou. Fomos uma escola em que uma das integrantes do grupo, estudou e fomos muito bem recebidos pela vice-diretora da escola.
Conversamos com a vice-diretora sobre nossa proposta de pesquisa, ela se disse muito contente com o trabalho. A vice-diretora sugeriu que realizássemos a pesquisa no horário das aulas, pois após esse período, os alunos ficam muito agitados. Falamos à vice-diretora nossa intenção não era tirá-los da sala de aula, mas ela enfatizou que não teria problema, e disse achar importante para os alunos terem esse contato conosco.
Foram realizados dois encontros com alunos, as entrevistas foram realizadas em grupo no primeiro momento apresentamos a proposta do trabalho e utilizamos sete questões de entrevista semi- estruturada. Os jovens reagiram de maneira muito receptiva dispensando a realização de uma dinâmica para gerar uma identificação dos mesmos com tema.
Quando encerramos o encontro, nos demos conta de que não tínhamos a mínima expectativa de que a discussão adquirisse aquele nível. De uma forma geral, os alunos apresentaram uma visão elaborada acerca do processo educacional como um todo, demonstrando uma demanda não só pela discussão nesse âmbito, como também pela possibilidade de participação dos mesmos na construção deste processo.
O segundo encontro tinha como proposta dar um feedback para os alunos que apresentaram muita necessidade de expressão. Os educandos apresentaram novas questões que não haviam sido pensadas, evidenciando a reflexão que o primeiro encontro proporcionou se tornando por si só interventivo.
Anexos
Roteiro de perguntas
1) Como você entende a aprendizagem dada na sua escola?
2) Por que você acha que existe mais matérias técnicas do que matérias humanas? 3) Você acredita que a escola ajuda você a desenvolver um pensamento critico? 4) Que tipo de cidadão você acredita que a escola busca formar?
5) A escola te prepara para o exercício da cidadania?
6) Porque você acha que a grade curricular foi elaborada pelo governo dessa forma? 7) Na sua opinião qual matéria contribui mais para o seu futuro? E qual menos contribui?
8) Qual a matéria que você não tem e gostaria de ter?
Introdução e Justificativa