Relações abusivas

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Você já parou para pensar nas diversas formas de abuso a que estamos sujeitos no dia-a-dia?

Quando abordamos esse assunto, é comum pensarmos imediatamente em casos de natureza mais grave, como os de cunho sexual, ou qualquer outro tipo de violência física. Todavia, podemos ver diariamente pessoas submetidas a tipos diversos de relações de abuso; seja na rua, no trabalho, no trânsito, na fila do mercado, em casa, na praia ou em qualquer lugar. As formas possíveis de abuso são inúmeras, variando desde uma chantagem até uma cantada vulgar. Abuso é qualquer tipo de situação que venha a ferir a premissa de respeito e dignidade pessoal, ultrapassando o limite da vontade de um indivíduo através da imposição de um poderio de qualquer espécie, exercido pelo abusador. Às vezes o abuso é tão sutil que sequer conferimos-lhe esse nome.

Indivíduos que sofrem abusos de forma recorrente, tendem a acreditar equivocadamente que são culpados pela situação.  É fundamental a desconstrução deste tipo de crença – gerada por uma elaboração psíquica distorcida dos fatos – para que esse indivíduo possa se impor e se colocar diante das situações abusivas, inibindo a incidência das mesmas e melhorando sua qualidade de vida.

Mas afinal o que é um relacionamento abusivo?

Se trata de uma relação entre indivíduos onde um exerce um poderio simbólico sobre o outro, com violação dos direitos fundamentais e agressão à integridade física/mental do sujeito abusado. Esse poder simbólico se converte em comportamentos, onde o abusado se submete ao abusador, em uma relação de dominação.

De acordo com Barretto (2015 apud Maia e Cascais 2017), no relacionamento abusivo, predomina o excesso de poder de um sobre o outro e o desejo de controlar o parceiro. Para os autores, as relações são caracterizadas por ciúme excessivo, controle sobre as decisões e ações, além da estimulação do isolamento social e familiar do parceiro, apresentando comportamentos característicos de violência verbal, física e sexual.

É importante ressaltar que o relacionamento abusivo pode ocorrer com qualquer pessoa independente do gênero, identidade de gênero ou orientação sexual, mas é notória a predominância das mulheres na condição de vítimas dessa dinâmica de relação. Entendemos que há uma explicação histórica para a forma como essas relações se configuram. Nesse sentido, traremos uma reconstrução histórica a respeito do papel atribuído à mulher em nossa sociedade e sua trajetória de lutas e conquistas de direitos.

Todo conceito jurídico de direito que evolui desde a antiguidade greco-romana, traz a mulher em um lugar de submissão. Tomada como um objeto de posse, seja do pai durante sua juventude, ou do marido e de sua família após a instituição do matrimônio. Historicamente tomada como moeda de troca na aplicação de dotes e acordos familiares, garantindo tratados de ordem política e econômica, instituídos na manutenção da ordem de funcionamento patriarcal, através da aplicação de um poderio simbólico de dominação. Obviamente, já sinalizamos aqui uma dinâmica de abuso, amplamente praticada pela humanidade de forma sistêmica e normalizada pelo conjunto da sociedade numa tradição milenar.

De acordo com Silva (2016 apud Maia e Cascais 2017), ao longo de toda a história, as mulheres foram violadas pelos homens e pelo próprio Estado, obtendo no Brasil, garantia de direitos políticos e de voto somente a partir de 1932 sob o comando de Getúlio Vargas. Não havia representatividade feminina, entendia-se que política não era assunto para mulheres, e que não se deveria interferir em briga de marido e mulher. Ainda que se identificasse situações de abuso e violência, não se deveria intervir na intimidade do casal. Mesmo nos dias de hoje, ainda podemos observar os reflexos dessa dinâmica se perpetuando.

As conquistas vieram a passos bem lentos, a custo de muita luta e reinvindicação. Somente a partir de 2006, em pleno século XXI, o Brasil instaura a Lei Maria da Penha de proteção à violência contra a mulher. De acordo com (CNJ 2015), dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex-parceiro. Essas quase 5 mil mortes representaram 13 homicídios femininos diários no ano de 2013. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio. O Brasil só perdeu para  El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia em número de casos de assassinato de mulheres.

Feminicídio é caracterizado pelo assassinato de mulheres ou meninas, ligado por questões de gênero, e das dinâmicas de dominação que discutimos aqui. Trata-se de crime de ódio onde a motivação está associada ao fato da vítima ser do sexo feminino.

São exemplos de feminicídio os crimes encobertos por costumes e tradições e que são justificados como práticas pedagógicas, como o apedrejamento de mulheres por adultério, relacionadas com o pagamento de dote, a mutilação genital e os crimes “em defesa da honra”. Maia e Cascais (2017) pontuam que além do assassinato de mulheres por seus maridos e companheiros, há também os estupros de guerra, a morte por preconceito racial e pelo tráfico e todo tipo de exploração sexual, que as tratam como objetos de utilização e descarte. Todo um contexto sustentado por uma cultura misógina, apoiada no patriarcado cultural de que somos herdeiros.

Segundo Arciniega (et. al., 2008 apud Maia e Cascais 2017), o machismo é um comportamento expresso por atitudes e opiniões onde o sujeito se recusa a aceitar a igualdade de direitos e deveres entre os gêneros sexuais, subordinando e inferiorizando a mulher ao homem, gerando desigualdade de poder e criando uma discriminação estrutural e de oportunidades entre homens e mulheres. Ainda segundo os autores, desde o século XX foram atribuídas características específicas para cada gênero. Ao masculino foi atribuído força, coragem e vontade de agir. Ao feminino foi atribuído doçura, paciência e instinto maternal. No machismo há uma hierarquia entre gêneros onde masculino está sempre posição superior ao feminino. Ao longo da nossa evolução histórica a mulher foi colocada em um lugar de submissão à maior força do homem. O homem se determina como detentor do poderio, estabelecendo a mulher como um objeto para satisfação de suas necessidades físicas e materiais, limitando suas possibilidades. Para Hirigoyen (2006 apud Maia e Cascais 2017), apesar do desenvolvimento da evolução e civilidade, os mesmos estereótipos dessa representação social permanecem até hoje, de maneira estrutural nas entranhas de nossa sociedade.

Como identificar que estou em um relacionamento abusivo?

Primeiramente, se você se sente violada, aprisionada ou reprimida convidamos você a refletir sobre qual a posição que você ocupa dentro desse relacionamento. Você está feliz e se sente valorizada?

E como dizem os sábios:

“Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.”

Vinicius de Moraes

“Amar não é aceitar tudo. Aliás: onde tudo é aceito, desconfio que há falta de amor.”

Vladimir Maiakóvski

Essas formas de agressão são complexas e perversas, não ocorrem isoladas e têm graves consequências para as vítimas. Acima de tudo constitui um ato de violação dos direitos humanos. Vamos citar alguns sinais que podem ser alertas:

✓ Violência física: Consiste em qualquer tipo de ação que ameace a integridade física da vítima, por exemplo (atirar objetos, puxar, apertar, espancar, etc.).

✓ Violência psicológica: Se consiste em qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição da autoestima, perturbação do seu pleno desenvolvimento. Por exemplo: xingar, constranger, manipular, humilhar, manter vigilância constante. Talvez esse tipo de violência seja o mais cruel e difícil de superar, pois cria crenças distorcidas sobre a própria vítima e se associa com todos os demais tipos de violência.

✓ Violência sexual: Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. Por exemplo: estupro, molestação, assédio, limitar ou controlar qualquer direito reprodutivo e sexual da mulher, etc.

✓ Violência patrimonial: Se consiste em qualquer ação que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de abjetos, documentos pessoais, bens de valores ou recursos econômicos. Por exemplo: controlar o dinheiro da vítima, controlar o uso da vítima aos seus próprios bens, furto, extorsão ou dano material, etc.

✓ Violência moral: Se trata de qualquer conduta que vise difamação, calúnia ou injuria. Por exemplo: inventar mentiras sobre o comportamento da vítima, expor a vida íntima da vítima, xingar, etc.

Perfil psicológico e comportamental

O agressor é geralmente um indivíduo inseguro, com excessiva necessidade de controle, ciúmes exacerbado, comportamentos invasivos e costumam exercer movimentos no sentido de afastar a vítima de sua rede de apoio (familiares, amigos, pessoas próximas), induzindo-a a uma baixa sociabilidade.

Manipula a vítima sistematicamente através de chantagens, invalida seus sentimentos e emoções, persegue-a pelos lugares, demonstra desconfiança constante, exige relações sexuais do seu jeito e no seu tempo e faz com que vítima se sinta culpada e responsável por tudo que está vivenciando. Podem se associar a perfis psicopatas, narcísicos, “machões” e com frequência sustentam ideais machistas, sexistas, de objetivação do outro.

Considerações finais

Trabalhamos aqui com o paradigma da predominância nas dinâmicas das relações abusivas de homens sobre mulheres. Mas é certo que esse tipo de relação não se limita apenas a essa dinâmica. Ocorre também o inverso, além de relações homoafetivas ou de qualquer natureza, podendo também envolver vínculos familiares, profissionais, amizades, eventuais ou qualquer outro tipo de convívio. Como exemplificamos, as formas de abusos que podem se estabelecer nas relações são inúmeras, muitas vezes naturalizadas a partir de estruturas sociais desenhadas há muitas gerações por conveniências de tradições que já não cabem mais no mundo em que vivemos.

            É necessário que estejamos sempre atentos para desconstruir essas estruturas, não nos calar ou omitir diante de qualquer situação que demonstre alguma dinâmica ou potencial abusivo. Dar nome ao que é abusivo é o primeiro passo para o enfrentamento. O que é abusivo deve ser nomeado enquanto tal, sem passar por atenuações do tipo “ele é assim mesmo”, “é o jeito dele”, “no fundo é pra te proteger”, “é porque ele te ama”, etc.

Abuso é abuso! Em suma, o que o indivíduo abusador faz é invalidar a subjetividade do outro, objetivando-o e submetendo-o ao crivo de suas próprias idealizações internas. Relações são constituídas pelo encontro de diferentes subjetividades que se combinam e se agregam em suas singularidades, sintetizando-as. O ato abusivo, ao invés disso, é marcado pela anulação e negação da singularidade do outro. O abusador força o outro a ocupar um lugar pré-determinado por suas idealizações narcísicas. É um rompimento de fronteiras e invasão indevida do espaço subjetivo do outro.

Sempre que um ato abusivo for identificado, deve ser enfrentado e combatido. Devemos fortalecer as redes de apoio e nos conscientizar constantemente, para acolher e fortalecer todos que sofrem com algum tipo de abuso e para que os mecanismos estruturais das dinâmicas abusivas sejam extintos, dando lugar à construção de relações que respeitem as fronteiras e os espaços subjetivos de cada indivíduo e valorizem a riqueza de suas particularidades e diversidades.

Denuncie através do número 180.

Bibliografia

            CACAES, Neide, MAIA, Laura Rodrigues. A cultura do machismo e sua influência na manutenção dos relacionamentos abusivos/Santa Catarina- Universidade do Sul p. 1 a p.20: 2017

https://riuni.unisul.br/bitstream/handle/12345/3896/Laura%20tcc%202%20versao%20final%20pdf.pdf?sequence=2&isAllowed=y

BERTHO Helena; 26 de novembro de 2018 (Atualizado em 29 de setembro de 2020)Relacionamento abusivo: 15 sinais de que você pode estar em um – Link para a matéria:

            BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 27 jul. 2018.

PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.

https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violencia.html

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